Uma pesquisa brasileira sobre o cultivo de arroz em
condições não alagadas, com o fornecimento de água pelas chuvas e complementado
por sistema de irrigação por aspersão nos períodos secos, vem despertando
forte interesse internacional. O estudo, coordenado por Carlos Alexandre
Costa Crusciol, professor titular da Faculdade de Ciências Agronômicas da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, e realizado com apoio da
FAPESP, foi publicado recentemente pelo periódicoAgronomy Journal,
com expressiva repercussão, principalmente na Ásia.
O motivo é fácil de entender: o cultivo de arroz pelo
sistema tradicional de irrigação por inundação (no qual os cultivares recebem
uma lâmina de água de cerca de 7
a 10
centímetros por até 120 dias) consome de 24% a 30% de
toda a água doce disponível no mundo. E a água doce tornou-se um dos recursos
mais preciosos do planeta, disputado não apenas pelos diferentes países, mas
também no interior de cada país, entre o campo e as cidades, entre as
atividades produtivas e o consumo individual, entre a agropecuária e a
indústria. “Nossa pesquisa mostrou que é possível alcançar um nível de
produtividade elevado, com grande economia de água”, disse Crusciol à Agência
FAPESP.
O cultivo de arroz em condições aeróbicas do solo, isto é,
em chão firme (os termos técnicos para esse tipo de cultura são “arroz de
sequeiro” ou “arroz de terras altas”), não constitui novidade no Brasil. Isso
tem sido feito há muito tempo, principalmente na região do Cerrado. O fato
novo, resultante da pesquisa, foi alcançar um alto patamar de produtividade
graças à complementação hídrica mediante a irrigação por aspersão. “Sem a
complementação hídrica, a média de produtividade é aproximadamente 2.700 quilos
por hectare, enquanto que no cultivo inundado é possível chegar em média a
7.000 kg/ha. Com a complementação hídrica à cultura, temos obtido
produtividades de até 6.000 kg/ha, gastando muito menos água”, afirmou o
pesquisador.
Para ter ideia do impacto que essa inovação tecnológica pode
vir a ter na produção agrícola, basta considerar que, atualmente, 65% dos
arrozais brasileiros utilizam o sistema de sequeiro ou terras altas. Mas,
dependendo unicamente das chuvas para a hidratação, respondem por apenas 35% do
arroz produzido.
“A explicação para essa baixa produtividade é que o arroz,
domesticado em ambientes inundados, apresenta baixa tolerância à falta d’água,
principalmente no período de pré-floração e de floração. Se ocorre um veranico
(isto é, uma sucessão de dias quentes e secos) nessa fase crítica, o resultado
para a safra é desastroso. Mas complementando o fornecimento de água
proveniente das chuvas com a irrigação por aspersão é possível descartar o
risco decorrente da instabilidade climática e praticamente dobrar a
produtividade média”, resumiu Crusciol.
No experimento conduzido por ele, a irrigação por aspersão
respondeu por apenas 8,7% da água fornecida aos cultivares durante o primeiro
ano, sendo o restante originário das chuvas. E o aumento de produtividade foi
de 54,4%. No ano seguinte, a irrigação por aspersão forneceu 14,5% da água,
obtendo-se um incremento de 48,1%. “Como se percebe imediatamente pelos
números, a técnica proporciona aumento expressivo de produtividade, chegando a
níveis compatíveis com os do sistema de irrigação por inundação (arroz nos
ambientes alagados), porém esse aumento não é proporcional à quantidade de água
fornecida por irrigação”, comentou o pesquisador.
Além da irrigação complementar, um fator adicional que
contribuiu para o êxito do experimento foi a alta qualidade do arroz
brasileiro, resultante de várias décadas de melhoramento por seleção genética –
inicialmente promovida pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e, depois,
pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Temos um dos
melhores materiais do planeta, cultivares que já possuem boa tolerância a
curtos períodos de estresse hídrico (deficiência de água)”, informou Crusciol.
“Por muitos anos, a rizicultura foi a primeira prática nas áreas de expansão
agrícola, abrindo caminho para outras atividades produtivas.”
É claro que a irrigação por aspersão implica custos com a
aquisição dos equipamentos (pivô central, aspersores etc.) e com o consumo de
energia elétrica (para o bombeamento da água). E o arroz é um produto muito
barato, cujo preço, por impactar fortemente a cesta básica, merece atenção
especial do governo, que o controla mediante mecanismos reguladores.
Esse binômio – custo mais alto para produzir e preço baixo
do produto final – tende a intimidar os agricultores. A solução, segundo
Crusciol, é alternar a rizicultura com outros cultivos agrícolas, como grãos
(feijão, soja, milho doce), fibras (algodão) ou hortaliças (batata, tomate,
pimentão etc.), com maior valor agregado, otimizando o uso dos equipamentos e
obtendo vantagens adicionais com a rotatividade das culturas, que interrompe o
ciclo de pragas e doenças que afetam essas outras culturas, principalmente no
período chuvoso (no qual o arroz é cultivado).
O arroz de sequeiro ou arroz de terras altas, com o
fornecimento de água exclusivamente por meio das chuvas, vem sendo extensamente
cultivado por pequenos agricultores nas regiões mais pobres do mundo – na Ásia,
na África e na América Latina. O grande crescimento dessa alternativa,
comparativamente à do plantio inundado, muito mais produtivo, não é uma escolha
livre dos agricultores, motivada por considerações ecológicas relativas ao bom
uso da água, mas uma imposição até certo ponto brutal do próprio
desenvolvimento econômico dessas áreas. Na China e na Índia, respectivamente o
primeiro e o segundo colocado no ranking dos principais países produtores, a
rizicultura tem sido empurrada para ambientes aerados (chão seco), devido à
intensa disputa pelos recursos hídricos, cada vez mais absorvidos pelo
acelerado crescimento urbano e industrial.
Nesse contexto, a inovação tecnológica constituída pela
irrigação por aspersão dos cultivares de sequeiro poderá ter importante
repercussão não apenas econômica, mas também social. Não espanta que os
especialistas chineses tenham ficado tão interessados na pesquisa brasileira.
[ Fonte: Agência FAPESP ]
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